Sabemos que a neurofibromatose do tipo 1 (NF1) é uma doença genética que produz dificuldades de aprendizagem na maioria das pessoas, mas de forma diferente entre elas: algumas vezes graves deficiências, outras vezes dificuldades pouco percebidas.
Por que estas variações clínicas acontecem?
Primeiro, existem milhares de mutações diferentes do gene NF1 que poderiam afetar a forma como a doença se manifesta clinicamente. Por exemplo, as deleções completas do gene NF1 geralmente estão associadas às formas mais graves de problemas cognitivos e comportamentais. No entanto, a mesma mutação encontrada numa família com NF1 apresenta capacidades intelectuais muito diferentes entre seus membros. Por exemplo, acompanhamos alguns pares de gêmeos univitelinos (com a mesma mutação do gene NF1, portanto) com diferentes dificuldades de aprendizagem entre os dois.
Outra possibilidade para explicar as diferenças de aprendizagem em pessoas com NF1 seriam os chamados efeitos epigenéticos, ou seja, efeitos externos que afetam a expressão dos genes durante o desenvolvimento embrionário e ao longo da vida. Por exemplo, as diferenças no ambiente intrauterino ou no ambiente educacional poderiam afetar a expressão do gene NF1, favorecendo perfis clínicos com maior ou menor dificuldade de aprendizagem.
Além disso, outra explicação provável para as diferenças de dificuldades cognitivas entre as pessoas com NF1 deve ser a presença no seu genoma de variações noutros genes que afetam o desenvolvimento mental. Ou seja, irmãos com o mesmo gene NF1 herdado de um dos pais podem apresentar perfis intelectuais e comportamentais diferentes porque os demais genes que constituem seu genoma apresentam variações decorrentes da recombinação genética no momento da formação dos espermatozoides e dos óvulos.
Foi justamente para estudar esta possibilidade dos efeitos de outros genes sobre as dificuldades de aprendizagem na NF1 que a Dra. Danielle Souza Costa conduziu seu estudo de doutorado em Medicina Molecular na Faculdade de Medicina sob a orientação da Professora Débora Marques de Miranda, o qual foi realizado com 19 crianças e adolescentes e 31 adultos, todos voluntários e voluntárias com NF1 atendidos no Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais.
Nas pessoas com NF1 a Dra. Danielle mediu a memória de trabalho, que consiste na capacidade de manutenção e atualização de informações, o que é uma função muito importante na capacidade executiva, ou seja, a habilidade para planejar e executar atividades mentais, o que é fundamental no desempenho escolar, por exemplo. Além disso, a Dra. Danielle mediu o quociente de inteligência (QI), o nível socioeconômico das pessoas com NF1 e colheu amostras de sangue para medir as variações noutro gene (COMT), que regula a formação de um neurotransmissor cerebral chamado dopamina, que é essencial para as funções cognitivas.
Os resultados mostraram que as pessoas com mutação no gene NF1 associada a uma das variações no gene COMT (chamada de Met/Met) apresentaram desempenho melhor do que as demais no item memória verbal de trabalho, mas não houve influência significativa sobre as demais funções cognitivas. Ou seja, maior disponibilidade de dopamina resultou em menor dificuldade de aprendizagem, o que reforça a proposta do uso do medicamento metilfenidato em algumas pessoas com NF1.
O trabalho da Danielle Souza Costa acaba de ser publicado (5 de julho de 2016) na revista científica especializada Fronteiras na Neurociência Humana (para ver o artigo completo CLIQUE AQUI), e foi revisado por Dong-Hoon Lee, da Faculdade de Medicina da Universidade Johns Hopkins, e por Dawei Li, da Universidade de Duke, ambas nos Estados Unidos.
São resultados iniciais, inéditos na comunidade científica que estuda a NF1, e que precisam ser confirmados para se tornarem mais uma ferramenta útil no cuidado das pessoas com NF1.
Parabéns à equipe que realizou o estudo, em especial para Dra. Danielle Souza Costa e sua orientadora Dra. Débora Marques de Miranda, e muito obrigado a todos os voluntários e voluntárias que se dispuseram a ajudar neste estudo.
Amanhã continuo o relato da Dra. Juliana Ferreira de Souza sobre o congresso sobre NF deste anos nos Estados Unidos.
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