“Ontem o senhor falou sobre efeitos de tratamentos
alternativos para pessoas com NF. Mas os banhos de lama não têm um efeito
psicológico bom? Então, o estado emocional da pessoa não poderia ajudar a
evitar o crescimento dos neurofibromas? ” ARF, de Araxá, MG.
Cara A, obrigado
pela sua pergunta e imagino que o fato de você ser de Araxá tenha motivado sua
dúvida, pois sua cidade é conhecida também como um ponto turístico onde as
pessoas podem realizar banhos de lama.
Começo esclarecendo que minha
família é de Lambari, onde passei minha infância, e conheci os banhos térmicos
com água mineral e com lama, os quais eram realizados em alguns hotéis da
cidade, e todos acreditavam que eles possuíam efeitos terapêuticos sobre
diversas doenças.
Esta crença sobre os benefícios
dos banhos e da terapia com águas minerais era compartilhada pelos habitantes
de Lambari, pelos turistas que aportavam à pequena cidade, vindos especialmente
do Rio de Janeiro, e pelos poucos médicos que ali trabalhavam, entre eles meu pai,
José Benedito Rodrigues. Há inclusive um ramo do conhecimento chamado
crenologia (VER AQUI
), que desapareceu dos cursos de medicina nos anos 50 do século passado.
Lembro-me que meu pai receitava, de acordo com cada doença por ele diagnosticada, tantos copos da
água mineral número 1, ou número 2, ou a ferruginosa, ou a alcalina, etc., de
tantas em tantas horas, de preferência em jejum, durante tantos dias ou
semanas. Além disso, banhos de água mineral, passeios pelos parques e repouso
adequado, além de uma dieta típica da região, faziam parte das
recomendações de todos os médicos de Lambari, assim como de outras estâncias de
águas minerais.
Às vezes, conforme a suposta
gravidade do caso, eram prescritas dolorosíssimas injeções intramusculares de
água mineral (!). Pelo menos uma vez eu mesmo cheguei a aplicar uma dessas
injeções numa pobre pessoa, como parte do meu treinamento juvenil na farmácia
Santo Antônio, uma espécie de estágio ao qual me submeti aos 14 anos e que fora
providenciado pelo meu pai, uma vez que eu queria ser médico como ele.
E os turistas cariocas (que precisavam ter dinheiro para isso, é claro) passavam
um mês “internados” em hotéis agradáveis, cuidando de sua saúde, passeando,
bebendo água mineral, tomando banhos de água e de lama, descansando,
alimentando-se de frango caipira com quiabo, jogando baralho para passar o
tempo, conversando, fazendo caminhadas, evitando álcool e cigarro...
Quem é que
não melhora com uma vida assim? Especialmente se os problemas de saúde forem
decorrentes de hábitos de vida inadequados, de uma vida estressante ou de
ambientes poluídos.
No entanto, aquela mesma água
não parecia fazer diferença na saúde dos habitantes da própria Lambari, que
apresentavam índices de tuberculose, por exemplo, semelhantes ao restante do
país, como meu pai constatara em uma grande pesquisa realizada por ele e outros
colegas em todo o Sul de Minas.
Assim, como você mencionou,
provavelmente havia alguma melhora no estado emocional das pessoas submetidas aos
tratamentos nas estâncias hidrominerais, o que poderia ajudar a enfrentar a sua
doença, fosse ela psicológica ou não.
Sabemos que em toda ação terapêutica há
uma parte dos efeitos que são decorrentes da crença, da esperança e da
confiança da pessoa naquele tratamento e na pessoa que o está administrando.
Todos sabem que este efeito se chama “efeito placebo”.
Assim, quanto mais estamos
convencidos de que um determinado medicamento possui um efeito, por exemplo,
analgésico, maior a nossa chance de sentirmos melhora da dor quando o ingerimos,
ou mesmo quando ingerimos um comprimido de farinha achando que é o analgésico
no qual confiamos. Por isso, somente recomendamos um medicamento quando o efeito
dos comprimidos com a droga maior do que o efeito placebo produzido pelos comprimidos
com farinha.
Retomando a dúvida sobre os “tratamentos
alternativos” nas NF, todas aquelas práticas que eu mencionei anteriormente podem produzir algum efeito placebo se as
pessoas acreditarem que elas funcionam: tratamentos utilizados nas
medicinas antigas (chás, homeopatia, banhos, hidroterapia), dietas (jejum, restrição
de um composto ou adição de outro, superalimentação, alimentos especiais) e práticas
físicas (acupuntura, exercícios, meditação, etc.).
É preciso lembrar que este
efeito placebo acontece naqueles aspectos subjetivos da doença, como na intensidade
da dor, no bem-estar geral, no estado de humor, na depressão, na ansiedade ou
sobre as dificuldades de aprendizado e de comportamento.
No entanto, mas posso estar
enganado, eu não espero observar qualquer efeito placebo sobre o
crescimento dos neurofibromas, ou dos schwannomas, ou dos gliomas, ou sobre a
evolução das displasias ósseas.
Até a próxima semana.
Marcadores: água mineral, banhos de lama, efeito placebo, neurofibromatoses, repouso, tratamentos alternativos