Ontem respondi parte da pergunta de uma família
que indagava se alguma coisa poderia ter acontecido durante a gestação de sua
filha, causando a sua doença, a NF1.
Apesar da família que me enviou a pergunta não ser
de médicos ou profissionais da área biológica, imaginei que já conhecessem a
informação de que a CAUSA ou as CAUSAS das mutações que provocam as
neurofibromatoses ainda não é conhecida até o momento.
De qualquer forma, compreendo que esta atitude é
natural entre todos nós seres humanos, que procuramos achar relações de causa e
efeito em tudo que observamos. Nosso cérebro sempre procura padrões e não está
preparado para lidar com o aleatório, com aquilo que acontece puramente por
acaso (ver livro do Ramon Cosenza, comentado neste blog).
O problema é quando nesta busca por causas dos
efeitos observados, identificamos suspeitos que imediatamente se tornam
culpados pela doença de nossas crianças. Às vezes é o álcool do pai, outras o
cigarro da mãe, pode ser o estresse da família, o primo que tem um problema
mental, a alimentação rica nisso ou pobre naquilo, o agrotóxico nos alimentos.
Esta busca além de injusta, pode terminar com sentimentos de hostilidade contra
o outro (suposto culpado) ou contra nós mesmos: por fui fazer aquilo?
Infelizmente, até mesmo ideias religiosas podem ser
usadas para “justificar” a doença: ela está pagando pelos pecados do pai ou da
mãe, ou de vidas passadas, etc.
No entanto, nada, mas absolutamente nada mesmo,
que ocorra durante a gestação deve contribuir para a existência da mutação (que
já estava presente antes da fecundação, repito) e, consequentemente, da
existência da doença, que irá se manifestar sempre que houver a mutação.
No entanto, uma vez que existe a mutação (no genótipo),
ainda não sabemos se o curso da gestação poderia afetar a expressão corporal da
mutação (o fenótipo): por exemplo, se a gravidade da doença poderia ser maior
ou menor, se a dificuldade de aprendizagem seria mais acentuada ou não, se os
sintomas seriam mais tardios ou precoces, etc. Ou seja, não sabemos os efeitos
das condições da gestação, incluindo o estresse materno ou familiar, sobre a
expressão clínica das neurofibromatoses.
Além disso, as formas raríssimas de neurofibromatose
segmentar (que surgem depois da fecundação) merecem um estudo no futuro, pois não
sabemos se há algo durante a gestação que poderia contribuir para o aparecimento
da mutação em apenas uma célula que dará origem, por exemplo, a uma das pernas
(ver neste blog neurofibromatose segmentar).
Portanto, independentemente da presença ou não da
mutação num bebê, a sociedade precisa dar condições para que toda gestação seja
realizada nas melhores condições ambientais possíveis: sociais, emocionais, de
saúde e econômicas.
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