Ontem vimos o depoimento do Rogério Barbosa
sobre a tese do Dr. Daniele Carrieri (foto) sobre como as famílias e os serviços de
saúde acompanham as neurofibromatoses do tipo 1, pelo fato de serem doenças
genéticas com enorme variabilidade na expressão clínica.
Depois de ler os resultados da tese,
encaminhei ao Dr. Daniele, por meio do Rogério Barbosa, uma pergunta que ele
prontamente respondeu e o Rogério traduziu para nós.
Dr. Lor:
Como você entendeu a resistência das famílias em aceitarem o diagnóstico da NF1?
Dr. Daniele: Sua pergunta é
muito importante e transversal a muitas das questões que eu enfrentei durante a
minha tese. A resistência depende de vários fatores inter-relacionados. Vou
tentar resumir alguns abaixo.
A extrema variabilidade da NF1
Por causa da sua variabilidade,
a NF1 não parece estar associada a uma doença de identidade ou ligada a alguma
comunidade. Pessoas levemente afetadas, muitas vezes, se recusam a
identificar-se com as mais seriamente afetadas e vice-versa.
A tendência para ignorar a NF1
Muitas pessoas diagnosticadas
com a NF1 e seus familiares me disseram (explícita e implicitamente) como eles
tendem a ignorar, normalizar, ou mesmo rejeitar a NF1, sempre que possível.
Eles falaram que preferem
normalizar ou minimizar os transtornos causados pela NF1, evitando pensar
nisso, e concentrarem-se nos aspectos positivos ou mais urgentes da vida
diária. Esta tendência não parece ser influenciada pela gravidade da NF vivida
pela indivíduos e famílias. Esta tendência também pode ser vista como uma forma
de gerir a incerteza dos sintomas da NF1.
Ao mesmo tempo, a NF1 pode
tornar-se relevante em certos momentos particulares na vida das pessoas,
especialmente quando surgem complicações graves ou em relação a escolhas
reprodutivas.
Uma identidade fragmentada da
doença
O aparecimento de complicações
sérias não necessariamente leva as pessoas a aceitarem o diagnóstico NF1. As
identidades dos indivíduos e famílias com NF1 tendiam a ser fragmentadas de
acordo com o que eles percebiam ser os sintomas mais graves (por exemplo,
tumores, etc.).
Curiosamente, por causa disso,
as pessoas passam a procurar formar associações de apoio relacionadas com os
sintomas específicos da NF1 (por exemplo, grupos de apoio às pessoas com câncer,
escolas para aqueles com necessidades especiais, etc.), ao invés de serem
relacionadas com a própria doença.
Um sistema de saúde fragmentado
As entrevistas que fiz com os
profissionais de saúde envolvidos no tratamento de NF1 me permitiram
identificar mais uma causa para a resistência das famílias em aceitarem a
doença.
A maioria dos profissionais de
saúde lamentou a falta de conhecimento geral sobre a doença e de serviços
eficazes para a NF1. Eles também observaram que - à semelhança do que eles
haviam notado com outras condições complexas e que se desenvolvem ao longo da
vida do paciente (por exemplo, síndrome de Marfan, paralisia cerebral, espinha
bífida etc.) - os sintomas da NF1 são tratados, normalmente, de maneira separada
e por diferentes especialistas médicos, sem ninguém tomar o entendimento da
doença como um todo, ou coordenar o serviço de atendimento ao paciente.
Isso me levou a perceber que há
uma tendência em criar a identidade do paciente espelhada na estrutura e nas
práticas do sistema de saúde que o atende. Interpretei a "tendência a
minimizar e não pensar sobre NF1" como uma possível forma de
"ajuste" à falta de serviços médicos adequados para a doença.
Eu também sugeri que a
abordagem médica predominante, caracterizada pelo tratamento de sintomas
específicos, sem uma compreensão global da doença, reflete nos pacientes e nas
famílias, a tendência em minimizar a sua condição como um todo, e só considerar
os sintomas específicos quando eles se tornam evidentes.
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