A dúvida de hoje é sobre o uso de anticoncepcional.
Estava lendo um pouco sobre o assunto e observei que talvez tenha alguma
relação com um maior o crescimento e desenvolvimento dos neurofibromas. No
momento nunca fiz e nem faço uso de anticoncepcional, por medo desta
possibilidade, porém no momento estava pensando em usar! Gostaria de saber o
que o senhor me aconselharia a fazer este uso? B, da Bahia.
Cara B, obrigado pela sua pergunta, que deve interessar a
muitas pessoas com neurofibromatoses. Infelizmente, vou responder hoje apenas sobre
NF1 e não sobre NF2 nem schwannomatose, porque ainda não disponho de
informações científicas sobre anticoncepcionais hormonais nestas duas últimas doenças.
Durante
algum tempo suspeitou-se que os hormônios usados como anticoncepcionais orais
pudessem aumentar o número e o tamanho dos neurofibromas. Esta suspeita parecia
lógica porque sabemos que durante a puberdade (e depois durante e a gravidez e
menopausa nas mulheres) os neurofibromas aparecem e crescem.
Assim,
parecia que era um efeito ligado aos hormônios, especialmente os sexuais
(estrógeno, progesterona, testosterona), mas temos que lembrar que outros
hormônios também estão ativos naquelas fases da vida (hormônio do crescimento,
hormônios hipofisários).
Um
grupo de pesquisadores brasileiros, liderados pela grande pesquisadora Dra. Karin
Soares Gonçalves Cunha, que trabalha na Universidade Federal Fluminense, tem
estudado bastante as relações entre os neurofibromas e determinados hormônios.
Em seu excelente livro “Advances in neurofibromatosis research”, escrito em
parceria com o pioneiro das neurofibromatoses no Brasil, o Dr. Mauro Geller, e
publicado nos Estados Unidos em 2012, a Dra. Karin descreve diversos estudos
realizados com algumas células retiradas de neurofibromas e cultivadas em
laboratório.
Os
estudos em células de laboratório mostraram que os neurofibromas parecem
responder a diversos hormônios (por exemplo, estrógeno, progesterona e hormônio
do crescimento), mas a Dra. Karin diz que há um número muito limitado de
estudos em seres humanos para que possamos tirar uma conclusão segura sobre os
efeitos dos anticoncepcionais orais no crescimento dos neurofibromas.
Talvez
o principal estudo realizado até agora, envolvendo mulheres com NF1 em uso de
hormônios, seja aquele publicado pelo grupo do Dr. Victor-Felix Mautner, da
Alemanha (clique aqui para ver o artigo completo). Analisando questionários aplicados a 59 mulheres que estavam usando
anticoncepcionais hormonais, os autores concluíram que não houve correlação
entre o crescimento dos neurofibromas e o uso dos hormônios.
Segundo
a Dra. Karin, a baixa dosagem dos hormônios nas pílulas poderia explicar a
ausência de efeito sobre os neurofibromas, porque entre todas as voluntárias do
estudo do Mautner duas delas que usavam grandes doses de progesterona (a
chamada pílula do dia seguinte) relataram aumento dos neurofibromas.
No
entanto, como os próprios cientistas comentaram, o questionário usado naquela
pesquisa avaliou a percepção subjetiva das mulheres com NF1 e eles não
realizaram uma medida objetiva do tamanho dos neurofibromas antes e depois do
uso dos anticoncepcionais. Aliás, já comentei aqui que esta medida objetiva do
crescimento dos tumores nas neurofibromatoses é um grande desafio para os
pesquisadores de todo o mundo, porque eles crescem de forma imprevisível.
Portanto,
a principal informação de que dispomos no momento é um artigo científico publicado
em 2005, realizado com apenas 59 mulheres e que não mostrou relação entre uso
de pílulas anticoncepcionais e crescimento dos neurofibromas. Assim, parece-me que
precisamos de mais informações científicas, em novos estudos com um maior
número de mulheres com NF1, para termos mais segurança para dizer que não há realmente
nenhum efeito das pílulas anticoncepcionais sobre o crescimento dos
neurofibromas.
Enquanto
isso, temos seguido a conduta do grupo da Dra. Rosalie Ferner, de Manchester,
na Inglaterra, talvez a equipe com maior experiência em condutas em saúde
pública relacionadas com as neurofibromatoses. Eles dizem que não há relação
entre anticoncepcionais hormonais e crescimento de neurofibromas, mas, se a
pessoa com NF1 estiver preocupada com esta possibilidade, ela deve procurar
outros métodos alternativos.
Considerando que a camisinha (masculina e feminina) é um método anticoncepcional
que traz a vantagem da prevenção de doenças sexualmente transmitidas, ela pode
ser mais útil e segura em determinadas situações de vida (parceiros instáveis,
por exemplo) para quem tem NF1.
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